“O
verdadeiro caráter de uma sociedade é revelado pela forma com que ela trata
suas crianças.” A frase, de Nelson Mandela, foi escolhida pelo médico pediatra
Daniel Becker para introduzir uma lista onde ele aponta os sete pecados
capitais cometidos contra a infância. Daniel
falou sobre o assunto no evento TEDx Laçador, realizado em Porto Alegre, em
junho. Segundo o palestrante, as crianças brasileiras vêm sendo muito
maltratadas pela sociedade. "Além
de o país não oferecer boas condições de saúde, moradia, educação e segurança,
os pais e cuidadores das crianças têm cometido pecados ao longo de sua
criação", afirma.
O
médico enumera:
1 – Privação do
nascimento natural e do aleitamento materno
“A
cultura da cesárea faz com que as mulheres acreditem que o parto normal deve
ser a cesárea. Que o parto normal é nocivo, doloroso, perigoso. Isso gera
diversos malefícios para as crianças.” “Da mesma forma acontece com o leite
materno. A mulher quer amamentar sua filha, mas (muitas vezes) em dois meses
esta criança está desmamada. Isso vem, em grande parte, por causa da indústria,
que faz propaganda pelo nome que dá às suas fórmulas: “premium”, “supreme”, e a
propaganda que ela faz com o médico.”
2 – Terceirização da
infância
Por
causa da falta de tempo dos pais, que têm que trabalhar para sustentar a
família, as crianças estão sendo deixadas em creches ou com babás. “Perdemos o
que é mais precioso na infância: o convívio com os filhos. Convívio é aquilo
que nos dá a intimidade, a capacidade de estar junto, o amor, a sensação de
estar cuidando de alguém, a sensação de conhecer profundamente alguém”.
3 - Intoxicação
da infância
Também
pela falta de tempo, é mais acessível trocar a comida tradicional brasileira
por uma alimentação rica em gordura, sal e açúcar, que vem da comida congelada
e industrializada. “Obesidade e diabetes estão explodindo na infância”.
4 – Confinamento e
distração permanente
As
crianças passam até oito horas por dia conectadas em aparelhos eletrônicos. Esse
confinamento impede que elas tenham um momento de consciência, de vazio, de
tédio. “O tédio é fundamental na infância. Porque o tédio e o vazio são berço
daquilo que é mais importante para nós, a criatividade e imaginação. Nós
estamos amputando isso dos nossos filhos.”
5 – Mercantilização da
Infância e Consumismo Infantil
Assistindo
muita televisão durante o dia, as crianças são massacradas pela publicidade,
por valores de consumismo. “E essa publicidade é covarde, explora a
incapacidade da criança de distinguir fantasia de realidade, explora o amor
dela por personagens e instiga nela valores como consumismo obscessivo,
hipervalorização da aparência, a futilidade e coisas piores”.
6 – Adultização e
erotização precoce
“Existe
uma erotização que usa a criança de 7, 8 anos para vender produtos de moda, uma
erotização baseada no machismo, na objetificação das meninas e das mulheres, na
valorização excessiva da aparência.”
7 – Entronização e
superproteção da infância
Para
compensar a ausência, muitos pais tornam-se permissivos e acabam perdendo a
autoridade sobre seus filhos. Mas a criança precisa de gente que conduza a vida
dela. “A gente sabe que a importância dos limites do não são formas
fundamentais de amor. A gente precisa dar para os nossos filhos, mas a gente tá
perdendo a capacidade. Em vez disso, a gente se interpõe entre as experiências
dos filhos e do mundo fazendo justamente que eles não tenham experiência da
vida e portanto não desenvolvam mecanismos de lidar com a frustração, com a dor
e com a dificuldade. E certamente o mundo vai entregar para eles mais tarde.”
Como
forma de enfrentar estes pecados, Daniel propõe uma solução que passa por
mudanças em apenas dois fatores: tempo e espaço. No caso do tempo, o médico
sugere que os pais estejam presentes na vida do filho em pelo menos 10% do
tempo em que estão acordados. Em uma conta geral, isso representa 1h40 por dia
de dedicação aos filhos. Em relação ao espaço, a orientação é estar perto da
natureza. “O convívio com o espaço aberto vai afastar a gente das telas, vai
reduzir o consumismo e o materialismo excessivos, vai promover o livre brincar
(que, por sua vez, vai gerar inteligência, humor e criatividade), vai gerar
convívio entre as famílias, vai promover o contato com o ar, o sol e o verde e
vai reduzir todos os problemas da infância.”
Assista o vídeo com a palestra do médico pediatra Daniel Becker
Fonte:
Texto publicado originalmente no Portal EBC.
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