Cada
vez mais, a questão da identidade de gênero vem deixando de ser um tabu para se
firmar como um assunto sério a ser enfrentado pela família, e para isso é
necessário o apoio e o acompanhamento de especialistas. E, muitas vezes, esse
tipo de transtorno se manifesta na infância, o que requer dos pais um cuidado
especial para lidar com o caso e, assim, garantir um desenvolvimento saudável
para os filhos.
Por
volta dos 3 ou 4 anos de idade, a criança já tem desenvolvida uma imagem de si
mesma, uma percepção de sua individualidade e das diferenças com os outros a
sua volta. É nesse período que se estabelece a noção de ser menino ou menina, a
partir da identificação com o feminino, representado pela figura da mãe, ou ao
masculino, que está relacionado ao pai.
O
fato de um menino gostar de brinquedos geralmente vistos como femininos, como
bonecas ou utensílios de cozinha, ou de uma menina se sentir bem ao vestir ou
usar acessórios ditos masculinos, mesmo após os 4 anos de idade, com essa noção
já estabelecida, não indica, necessariamente, um conflito de gênero. Esse
comportamento pode ser uma forma de buscar entender as diferenças se colocando
no lugar do outro sexo, ou então uma maneira de refletir situações que vivem no
dia a dia: as bonecas representam as pessoas que fazem parte do convívio, os
fogõezinhos, panelinhas e xicarazinhas reproduzem os objetos que os adultos
usam nos cuidados com os filhos, os carrinhos imitam os veículos dos pais ou os
que veem nas ruas e assim por diante.
“O
conflito se configura, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças
Mentais (DSM V), quando essas manifestações ou atividades passam a ser
constantes, persistentes e não esporádicas, quando estão associadas a outros
sentimentos como ansiedade, desconforto consigo mesmo, agressividade no trato
com as questões ligadas aos papéis de gênero, quando há manifestação de intenso
sofrimento por pertencer ao sexo atribuído ao nascimento, quando há um
desagrado quanto à sua própria anatomia e quando há um desejo, constantemente manifesto,
em ser de outro sexo ou uma certeza de ser do sexo oposto.
É
preciso estar atento porque esta condição pode estar associada não só a um
significativo sofrimento, mas também a um prejuízo no funcionamento social ou
em outras áreas importantes na vida da criança, uma vez que coloca em evidência
questões muito complexas, frente às quais ainda encontramos muita
desinformação, preconceito, pouca compreensão e pouco acolhimento”, explica a
psicóloga Vera Ferrari Rego Barros, presidente do Departamento Científico de
Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).
O
diagnóstico de conflito de gênero envolve não só a percepção, o entendimento e
a aceitação da própria criança como também de seus pais e do seu círculo
familiar mais amplo, além dos amigos, colegas e professores. Isso pode
envolver, a longo prazo, uma mudança na forma de se vestir, agir, brincar e
fazer parcerias, entre outras manifestações.
Com
esse novo comportamento, a criança pode ser isolada pelos colegas por puro
desconhecimento, preconceito ou receio, e também ser discriminada, o que pode
resultar em bullying na fase escolar. A posição da escola a esse respeito,
aliás, é essencial para que os pais possam, juntamente com os educadores,
encontrar uma forma de trabalhar a questão das diferenças de gênero com os
alunos.
“Os
pais devem considerar buscar toda a ajuda de que precisarem para lidar com essa
modificação que se introduziu na vida de todos, e envolve ações para toda a
vida. É um percurso trilhado em conjunto com o filho ou a filha, no qual a
própria compreensão e aceitação das diferenças por eles poderá ser transmitida
e trabalhada com a criança em prol de que ela se tranquilize com a sua
condição, não fazendo disso um entrave para o seu desenvolvimento psíquico e social.
O fato de desejar ser de outro sexo com tanta força não é acompanhado
necessariamente de tranquilidade para lidar com o seu novo visual, suas novas
preferências, sua nova forma de brincar ou se relacionar com seu meio social.
As diferenças, de qualquer tipo, sempre podem causar desconforto em quem vive a
situação e certa intolerância em quem convive com a criança, gerando reações ou
brincadeiras potencialmente muito danosas”, acrescenta a especialista.
Durante
todo o período de desenvolvimento e maturação da criança, também é necessário o
acompanhamento de um pediatra. Com a ciência desse médico sobre a condição de
transtorno de identidade de gênero, é possível uma intervenção
com
maior sucesso para ajudar a família a expressar e esclarecer suas dúvidas e
reassegurar aos pais sua capacidade de criar e educar o filho ou a filha, mesmo
com as diferenças trazidas pelo conflito.
Fonte do texto: Acontece
Comunicação e Notícias/Imagem: Reprodução.
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