Muitos
vivem o dilema em saber qual a melhor maneira para educar um filho ou filha. Evidentemente,
temos mais acesso a informações e orientações do que nossos pais com tantos
canais que podem auxiliar a dar orientação e traçar algumas diretrizes aos
pais. Claro que não existe regra, fórmula secreta ou manual de como fazer o
certo.
Encontramos
uma entrevista muito interessante com o filósofo, escritor, educador,
palestrante e professor universitário Mario Sergio Cortella, considerado um dos expoentes intelectuais no
Brasil, concedida à Revista Crescer que ele faz comentários concernente ao tema
que é tão importante ao universo familiar. De acordo com filósofo, na atualidade o maior
desafio é acompanhar as transformações nas relações, no trabalho e na
tecnologia. A mudança, segundo Mario Sergio, é inevitável, até mesmo na
educação. Ele afirma: “Não é só a
educação dos filhos que é necessária, mas a dos pais também.” Fazemos parte de
uma geração que assiste alterações de paradigmas tão impactantes e os pais
acabam ficando, de certo modo, sem rumo.
Como essa mudança tão
veloz de paradigmas tem afetado a forma como os pais criam os filhos?

“Uma
parte das famílias acabou perdendo um pouco a referência dada à velocidade das
mudanças e à rarefação do tempo de convivência com as crianças. Isso fez com
que muitas acabassem terceirizando o contato com os filhos e delegando à escola
aquilo que é originalmente de sua responsabilidade. Só que isso perturba a
formação das novas gerações. É claro que criar pessoas dá trabalho e exige
esforço. Acontece que, no meio de todas essas mudanças, alguns pais e mães
ficam desorientados. Por isso, é necessário que eles encontrem apoio, em
livros, revistas, grupos de discussão. Não é só a educação dos filhos que é
necessária, mas a dos pais também”.
Ao mesmo tempo que
muitas famílias terceirizam os cuidados, há um movimento de mães e pais
largando a carreira para se dedicar exclusivamente aos filhos, não?
“Claro.
Uma das coisas mais importantes na vida é entender que a palavra prioridade não
tem “s”. Não tem plural. Se você disser: “tenho duas prioridades” é porque não
tem nenhuma. Então, deve estabelecer qual é a sua prioridade. Sua prioridade é
o convívio familiar? Então dê força a isso. É a sustentação econômica? Vá
fundo. Só que, ao escolher, não sofra. É evidente que ninguém precisa abandonar
a carreira em função da família, mas é necessário buscar o equilíbrio – da
mesma forma como se faz para andar de bicicleta: só há equilíbrio em movimento.
Se você parar, desaba. Tenha em mente que haverá momentos em que a família é o
foco. Em outros, a carreira. Mas lembre-se de que a vida é mais como maratona
do que como uma corrida de 100 metros rasos: você não sai disparado feito um
louco. Tem horas que vai mais rápido, outras em que desacelera. O segredo é ir
dosando”.
Você diz que, em um
mundo de mudanças, nem tudo o que é antigo é velho. Como saber o que está
ultrapassado na criação dos filhos?
“No
convívio familiar, uma coisa que é antiga, mas não é velha, é o respeito
recíproco. Outra é a capacidade de o adulto saber que a criança é “subordinada”
a ele, ou seja, que está sob as suas ordens. O pai não pode se tornar refém de
alguém que ele orienta e cria. Agora, uma coisa que é velha e que deve ser
descartada é o autoritarismo, a agressão física, o modo de ação que acaba
produzindo algum tipo de crueldade. Isso é velho e é necessário, sim, mudar. Na
relação de convivência em família é preciso modificar aquilo que é arcaico. O
que não dá para perder é a honestidade, a afetividade e a gratidão. Tudo isso
vem do passado e tem que continuar”.
E como os pais podem
construir essa autoridade sem autoritarismo?
“O
pai e a mãe têm que saber que ele ou ela é a autoridade. Ao abrir mão
disso, há um custo. Quem se subordina a crianças e jovens, e têm sobre eles
alguma responsabilidade, está sendo leviano”.
Mas você acha que dá
para ser amigo dos filhos?
“Claro.
O que não pode é ser íntimo no sentido de perder a sua autoridade. Eu tenho
amizade com os meus alunos, mas isso não retira a autoridade nem a
responsabilidade que eu tenho sobre eles como professor. Há uma frase que
precisa ser deixada de lado que diz que ‘o amor aceita tudo’. Isso é uma
tolice. O amor inteligente, o amor responsável é capaz de negar o que deve ser
negado. A frase certa é: ‘Porque eu te amo é que eu não aceito isso de você’. O
amor que tudo aceita é leviano, irresponsável”.
Atualmente, se joga
muita responsabilidade na escola. Qual é o limite entre os deveres dos pais e
dos professores na educação das crianças?
“É
uma coisa estranha: a escola fica quatro ou cinco horas com as crianças, em um
dia que tem 24 horas, com 30 alunos juntos. É um estabelecimento que deve
ensinar a educação para o trabalho, educação para o trânsito, educação sexual,
educação física, artística, religiosa, ecológica e ainda português, matemática,
história, geografia e língua estrangeira moderna. Supor que uma instituição com
essa carga de atividade seja capaz de dar conta daquilo que uma mãe ou um pai é
que tem que ensinar a um filho ou dois é não entender direito o que está
acontecendo. A função da escola é a escolarização: é o ensino, a formação
social, a construção de cidadania, a experiência científica e a
responsabilidade social. Mas quem faz a educação é a família. A escolarização é
apenas uma parte do educar, não é tudo. Já tem personal trainer, personal
stylist, agora querem personal father, personal mother. Não dá, é inaceitável”.
Por outro lado, os pais
interferem demais na escola?
“Há
uma diferença entre interferir e participar. A escola tem que ser aberta à
participação. Quando há uma interferência é sinal de que está mal organizado. O
que acontece nas escolas particulares, que são minoria e representam apenas 13%
do total, é que muita gente não lida mais com a relação família versus escola
como parceria. É mais como se fosse um relacionamento regido pelo Código do
Consumidor, como um cliente, como se o ensino fosse o mesmo que a aquisição de
um carro. Essa relação é estranha e precisa ser rompida”.
A educação de gênero
tem gerado repercussão no meio escolar. Como você acha que as escolas devem
abordar esse tema?
“Uma
sociedade que não é capaz de atender à diversidade que a vida coloca é uma
sociedade tola. É preciso lembrar que a natureza daquilo que é macho e fêmea
está na base biológica, mas o gênero se constrói na convivência social. O macho
e a fêmea vêm da biologia. Mas o que define masculino e feminino é aquilo que
vai se construindo no dia a dia. Por isso a escola tem que trazer o tema. É
claro que não vai incentivar uma discussão que seja precoce para crianças de 8,
9, 10 anos. Mas também não vai fazer com que aquele que é diferente seja
entendido como estranho. Aquele que é diferente é apenas diferente, não é
estranho. Nessa hora, é tarefa da escola acolher. Se a família não concorda e a
escola é privada, mude a criança de escola. Agora, se for uma instituição
pública, é um dever constitucional e republicano admitir a diversidade”.
Texto de Naíma
Saleh publicado na Revista Crescer em novembro de 2016. Para acessar o texto na
integra acesse AQUI.
Imagens: Internet/Reprodução.
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